Acho que maternidade é vocação.
Muitas mulheres podem ter filhos, mas nem todas têm vocação para ser mãe.
Pensava assim antes de conviver com o mundo de mães e filhos que a pediatria me obriga.
E depois dessa convivência forçada certifiquei-me que a impressão era verdadeira.
Não sei qual o gene da vocação, mas tenho certeza de que ele existe.
Ou então, foi modificado por alguma mutação no decorrer da vida de algumas mulheres.
Exposição solar prolongada? Consumo de carnes defumadas? Exposição a agentes deletérios como famílias destroçadas, instabilidade conjugal, insatisfação sexual?
Não sei respoder. Mas sei que alguma coisa acontece. E a vocação vai pro lixo.
Ou se nasce sem ela. O gene foi deletado! Nunca existiu. Nunca existirá.
Pôr uma criança no mundo não é deixar que o próprio mundo a crie.
A frase que diz que "os filhos são pro mundo" é antiga, mas em nenhum momento se entendeu que pai e mãe não vão zelar pela educação de seus filhos.
Dizer que não tem paciência, que se irrita facilmente e desiste é muito pouco frente a escolha de erguer alguém e prepará-lo para a vida.
È pouco empenho pra uma escolha tão nobre.
Mesmo que não se tenha noção dessa escolha e dessa riqueza a princípio.
Escolher a maternidade é estar aberta a renúncias: de si, dos antigos hábitos, dos maus exemplos.
È vestir uma roupa nova, que inclui capa de super-poderes, pra enfrentar o mundo e garantir que um indivíduo saudável, humano e justo possa caminhar por aí com suas próprias pernas, mostrando que é realmente bom por onde andar.
È escolher sempre o bem, mesmo que cause dor e dúvidas.
Não sou mãe. Mas sou filha. E esta experiência de binômio mãe-filho eu sei enxergar, pelo menos de um dos lados.
O outro ângulo de visão eu adquiri observando as muitas mães e seus filhos que já passaram por mim.
Inegavelmente, este é o melhor aprendizado de todos: a observação sem preocupação de julgamento ou condenação, apenas percebendo a natureza humana nas suas infinitas formas de manifestação.
È estranho tentar explicar uma relação tão íntima e tão complexa.
Vejo como minha mãe e minha irmã se transformam quando ocupam o posto de mãe apenas. Acho que elas têm dupla personalidade: de mulher e de mãe. Distintas e por isso, assustadoras.
Classifico-as como parte do grupo que possui vocação.
Sei que a proximidade me faz ser suspeita para emitir opinião, mas acredito também que, como acompanho de perto, posso fazer as mesmas observações da natureza humana com possibilidade de detalhes.
Mães de vocação esquecem de si pelos filhos quando isso é necessário, ou então, mudam completamente horários, gestos, frases, hábitos e atitudes se assim for o melhor a ser feito.
Oferecem o colo, mas também mostram a vara. E castigam.
Ensinam o que acreditam ser o correto, mesmo que os exemplos do mundo e da sociedade apresentem o contrário.
Choram com a tristeza de seus filhos e se alegram com suas vitórias e escolhas, mesmo que não concordem com elas.
Acho que pude compreender o sentido de maternidade e vocação com mais clareza quando vi uma mãe lutar por seu filho, mesmo ele sendo portador de uma doença grave que inexoravelmente o levaria a morte.
Ela tinha outros filhos, todos saudáveis. Mas ficava ao lado daquele que não tinha chances.
Podia ter deixado a doença seguir seu curso e se conformar com a possibilidade de poder acompanhar o crescimento das outras crianças.
Ela preferiu cuidar daquela que não ia viver.
Nunca vou me esquecer do choro e do abraço demorado daquela mãe com o filho morto nos braços.
Ela o queria vivo, como fosse. Com imperfeições, com poucas chances, mas vivo.
Concordou com todos os recursos plausíveis utilizados para o tratamento e em nenhum momento demonstrou desânimo.
Abatida, é verdade; mas perseverando.
Demonstrou sua vocação para a maternidade durante o pouco tempo que lhe foi possível, porém de forma plena.
Para uma mãe de vocação, não há distinção entre os filhos.
Para ela, ele era único.
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