terça-feira, 25 de junho de 2013

Gostos, gestos e gastos.

A vida é feita de gostos.
Há quem goste de conversa, de festas, de badalação.
Outros, preferem o inverso: calma, cautela e tranquilidade.
Há quem não suporte a vaidade.
E quem goste mesmo de um espelho.
Uns do amarelo, outros do azul.
Alguns de gente mansa, outros de gente brava.
Gente gorda, gente magra,
Gente preta, gente alva, 
e nem por isso, há certo ou errado.
Há gostos diversos e só.
E que alegria a nossa por assim ser!

A vida é feita também de gestos.
Há quem tenha gestos nobres.
Outros gestos pobres,
vazios de educação ou respeito.
Há quem tenha gestos vagos,
sem motivação, sem destino.
Gestos grandiosos, pequeninos,
gestos de gratidão, de alegria.
Há quem tenha gestos absurdos, 
gestos profundos,
gestos de medo, 
gestos de dedo, 
gestos de segredo.
Os gestos moldam os mundos.

A vida é feita de gastos.
Os que podem muito, 
os que podem poucos.
Gastos de paciência,
de elegância,
gastos de gula
ou preguiça.
Gastos de necessidade,
de perversidade,
de honestidade.

A vida é feita de gostos, gestos e gastos.
E assim vamos tentando definir o indefinível.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Poesia da noite

Pelo sim, pelo não, 
resolvi aceitar.
Até porque não restava outra opção.
Até porque resolvi repetir aquele refrão
de que existe sim um motivo,
que há sim um fato, 
que comprove o improvável, 
que confirme o impossível
e que faça o possível ser presente,
se assim for pra ele ser.

Assim, com jeito acanhado,
espírito inibido,
acatei o destino, 
que me fez pequenino e só.
Pelo sim, pelo não,
resolvi não reclamar.
Nem fazer piadinhas,
nem zombar do infortúnio,
nem buscar explicações,
nem respostas.
Tranquei todas as portas.
Sem saídas, 
sem passagens,
sem aragens, 
sem ninguém.

Pelo sim, pelo não, 
vou dormir ligeiro.
Encontrar no travesseiro
as dúvidas que eu publiquei,
os convites que aceitei,
os propósitos que recusei,
os sonhos que decepei,
destrocei e escondi debaixo do tapete.
No meu sono, imploro!
Um pouquinho de clemência.
Misericórdia do caminho de pedras
que meus pés voltam a pisar.

Pelo sim, pelo não, boa noite!
Agradeço o fracasso,
o abraço, o despeito,
o encontro, o respeito,
o cansaço, a vergonha,
a piada, a risada,
o atraso, o destino,
a festa, a roça, 
a moça que presta
homenagem a saudade, 
ao adeus.


sexta-feira, 21 de junho de 2013

Dever de casa

Você joga papel de bala no chão?
Guardanapo, papelzinho do cartão de crédito, cinza de cigarro também?
Cola chiclete embaixo da cadeira da escola, trabalho ou cinema?
Joga garrafa de água vazia pela janela do ônibus?
Você cospe no chão?
Deixa vestígios de xixi na privada para alguém sentar depois?
Leva troco a mais pra casa, sem avisar ao moço do estabelecimento que está errado?
Ultrapassa em faixa contínua?
Excede o limite de velocidade da pista?
Passa rapidinho no sinal amarelo e voa no vermelho?
Estaciona em faixa dupla para pegar o filho na escola?
Para o carro na área hachurada? Na calçada?
Para o carro em vaga restrita para deficiente físico e idoso mesmo não sendo um deles?
Deixa de usar cinto de segurança para não amassar a roupa?
Carrega criança no banco da frente do carro ou sem a cadeira própria de transporte?
Não usa EPI (equipamento de proteção individual) por preguiça ou vaidade?
Sonega imposto de renda?
Grita com a moça da recepção dos estabelecimentos?
Deixa de dar antitérmico pro filho passar na frente na fila do PS por estar com febre?
Devolve o objeto perdido por alguém e encontrado por você no shopping?
Leva para casa algo encontrado na rua, sem ao menos tentar encontrar o dono?
Pede atestado só para não ir trabalhar e, mesmo assim, ganhar o dia?
Conta mentira que está doente e não vai ao trabalho, deixando o colega sozinho, fazendo o trabalho de dois e recebendo por um?
Confirma a consulta e não vai, ocupando a vaga de alguém que precisa, mas não conseguiu.
Você segura o elevador no andar, mesmo sabendo que pode ter alguém precisando dele livre com urgência?
Põe o carrinho do supermercado na vaga livre da garagem impedindo que alguém ali estacione?
Você bebe e dirige?
Você fura a fila para entrar no show?
Finge que não está vendo e passa na frente na fila do banco?
Oferece seu lugar no ônibus para quem tem mais idade ou para quem tem mais dificuldade que você?
Faz propaganda para o conhecido que se candidatou na esperança de conseguir um emprego depois que ele for eleito?
Promete votar em troca de favores?
Promete favores em troca de votos?
Acha justo prender o pobre que usa crack, mas o jovem de classe média não?
Atravessa fora da faixa de pedestres?
Não paga pensão dos filhos, mesmo tendo renda para tal?
Publica imagens na internet sem a autorização do dono?
Usa sem cuidado um objeto que não lhe pertence?
Gasta muito aquilo que é do outro e não seu?
Sai mais cedo do bar para não dividir a conta?
Não divide a taxa do pó de café , mas bebe um golinho todo dia?
Joga roupa suja no chão esperando que alguém recolha e guarde?
Tampa os ouvido e fecha os olhos para problemas que não são seus?
Pois bem, vale a pena refletir.
Aquela historinha antiga de que a mudança começa pequena, em nós mesmos, para depois se expandir e ganhar o mundo é composta por vários dos itens questionados acima.
Perfeição? Ninguém pode ser exigido por isso, humanos que somos.
Mas a capacidade de aprimoramento, esta sim, nos é peculiar.
Depois, quando o dever de casa estiver cumprido, talvez possa haver a cobrança externa.
Passeatas e manifestos não mudarão um padrão de erros.
Pois repito: vale a pena refletir.




quinta-feira, 20 de junho de 2013

Meu manifesto

Eu não vou para a rua.
Tenho verdadeiro pânico quando vejo aquele mar de gente e, me imagino lá no meio, como o elo fraco da corrente, sendo o primeiro a ser rompido no caso de alguma confusão.
Definitivamente, Deus me fez frouxa para manifestações e protestos de rua.
Apóio e acredito na legitimidade de quem protesta buscando melhores condições de trabalho, transporte, saúde e educação. Ainda mais se falando de Brasil, país acomodado, apático e vitimizado por tantos governos durante tantos e muitos anos...
Acho que as reivindicações são pertinentes, que a população vive oprimida por encargos tributários imensos e goza muito pouco de recursos provenientes de tanta arrecadação, que há uma desigualdade social gritante, uma distribuição de renda injusta que transforma o país gigante em um menino acuado, de fraldas e chupetas.
O país hoje parou.
O futebol ficou em segundo plano, no meio de um campeonato de amplitude e divulgação mundiais; o noticiário foi a tarde inteira e noite adentro, e chega a ser emocionante ver a multidão enchendo ruas, declarando sua indignação e demonstrando vontade de mudança.
Sabe-se, porém, que nem todo mundo que vai para as ruas tem o objetivo de protesto pacífico.
São pequenos grupos de baderneiros, que se aproveitam do movimento para destruir monumentos, incendiar ônibus, invadir instituições.
O que me preocupa, é que os pequenos grupos são muitos e espalhados por vários cantos do país.
Logo, o pequeno grupo se transforma em um número considerável de pessoas.
E me pergunto: que mudanças posso esperar de um país cuja população- mesmo que parte dela- usa de violência para exigir seus direitos?
Como almejar êxito nas reivindicações se há ainda quem pense que apedrejar o patrimônio público- ou privado, que seja- significa transformar a situação atual em algo melhor?
Sempre tem um infeliz que joga pedra, queima bandeira, quebra vidros e faz todo o movimento perder a razão de existir.
Sim, todo ato de violência é ausente de razão. Agressão é ato vazio de ideias.
Quem vai ás ruas hoje é quem tem um pouquinho mais de instrução e esclarecimento.
Há ainda quem esteja em casa, sem condições de transporte de sair de lá, sem luz elétrica, nem água encanada. Jamais vai sequer pensar que um protesto assim acontece por outras bandas, quanto mais participar de um.
Até o manifesto num país como o nosso é excludente.
Como é excludente a saúde, a educação e a segurança.
Mais importante que ir ás ruas é exigir os direitos de cidadão diariamente.
É recusar o emprego arranjado, o nepotismo, a vaga cedida, o lugar guardado na fila.
É não se importar em se indispor com alguém por denunciar injustiças e ações corruptas.
É não permitir que governantes inescrupulosos adentrem a nossa casa oferecendo farinha, cimento, dentadura e emprego fácil.
É cobrar o que foi prometido, lembrar do estrago que foi provocado e buscar punição sempre.
Fácil apontar os erros e se eximir da culpa.
Se a situação atual do país chegou em um ponto crítico de insatisfação,como percebido nos últimos dias,  todos temos parcela importante de contribuição. 
Indo ás ruas ou não.


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Era uma vez

Era uma vez, 
um dia 
de vez.
Uma vez,
Um dia
e a vez.

Outra vez,
sem dia.
Outro dia, 
sem vez.

Às vezes,
a vez
e o dia,
se mudam 
de vez.


Um dia,
sem vez, 
a voz 
se muda,
sem volta.

E a volta,
sem rotas,
de vez, 
num dia,
se molda.

A vida, 
um dia, 
volta.

E a vez,
de quem volta,
sem voz
e sem vez
também volta.
De vez.



Fulaninho

Fulaninho está com febre.
Mas não deixa pôr termômetro
Fulaninho tem só um ano,
mas coitado, chora tanto,
que diante do seu pranto,
para quê a febre medir?

Fulaninho não quer comer
só aceita a mamadeira.
Mas tadinho do Fulaninho!
Vai ficar com fome, então?
Deixa o menino tomar o leite!
Que se deleite sem a comida, 
que Fulaninho não pode chorar!

Fulaninho não pode tomar banho frio.
Quanta maldade com uma criança, doutor!
Fulaninho não pode levar injeção.
Coitadinho, tão pequenininho, 
e ter que sofrer tanto assim!
Fulaninho não pode sentir fome, nem frio, 
dor ou contrariedade.
Pobrezinho do Fulaninho!

Fulaninho vai ao médico,
mas quando deita na maca, 
quanto sofrimento!
Chora tanto, tem até trauma!
Gente de branco nem pode mais ver!
"Mentira, filho! Mentira!
Mamãe não deixa mais ninguém lhe machucar."

Fulaninho mama de noite, dormindo,
durante a madrugada.
Resmunga lá do berço
e a mamadeira chega ligeiro.
"Coitado! Não aceitou a janta!
Não adianta! Não dorme se não mamar!"
E lá vai Fulaninho, o reizinho,
nem precisa abrir os olhos para se alimentar!

Fulaninho vai para escola
bate nos colegas e destrata a professora.
Coitadinho do Fulaninho!
È mal compreendido!
O mundo está errado, 
só Fulaninho está certinho.

Fulaninho falta a aula,
porque hoje não que ir.
Coitadinho, está cansado!
Hoje fica em casa,
aproveita pra dormir.
Come a hora que quer, 
quando quiser,
dorme se puder.

E Fulaninho cresce assim: coitadinho.
Sempre certo, sem regras, sem horário,
escolhendo a hora de tudo e de todos.
Pondo ordens na própria casa, 
definindo a vida alheia,
achando certo não respeitar o direito do outro,
sendo o centro do universo.
Passa a vida acostumado a nunca ser contrariado,
Acha no vício a ocupação que ninguém nunca deu.

Fulaninho tem certeza
de que a vida é a sobremesa
que desfruta antes da refeição.
Que foi poupado e coroado,
mesmo quando não era punido,
e sim, ensinado.
È o candidato perfeito
da vida que deu errado.

Fulaninho é o adulto que não cresceu,
que se comprometeu com ninguém.
Que se limitou aos seu desejos,
que não se importou com o sentimento alheio.
Que espanca a esposa e os filhos,
esquece os pais no asilo,
planeja a morte como num filme,
para se beneficiar friamente do fim alguém.



quarta-feira, 12 de junho de 2013

Não sei mais chorar!

Sempre fui chorona.
Ir ás lágrimas nunca foi dificuldade para mim.
Ao contrário: o choro foi presença constante na maior parte da minha vida.
Tudo era motivo de pranto.
Brigava com um irmão, saía chorando; 
levava bronca da minha mãe, mais choro;
Perdia um objeto querido, voltava o chororô; 
Apanhava, chorava; 
Caía, chorava mais ainda;
Fui crescendo e o choro continuava alí, do meu lado.
Me pai me proibia de sair, chorava; 
não ia bem na prova, chorava de novo; 
ficava triste, chorava; 
filme triste, chororô;
fim de novela, mais lágrimas;
levava um  fora, esvaia a água do mundo pelos olhos...
Enfim, a chorona da casa era eu, e sei que a fama foi condizente com os fatos.
Acho que, nesses anos, já enchi uma piscina olímpica de tanto chorar.
Mas, de repente, o pranto secou.
Como tem sido raro chorar!
As lágrimas fugiram e não sei onde se esconderam.
Ando preocupada...
Não sei se amadureci e sofro menos, e, por isso, choro menos ou sou alguém anestesiado que já não sente mais.
Cresci? Evoluí? Morri por dentro? Esturriquei?
Nem dor, nem raiva, nem tristeza, nem nada.
O choro sumiu, de mim se apartou.
As lágrimas secaram porque acabaram ou acabaram-se os motivos para chorar?
Nem notícia triste, nem ódio, nem decepção ou remorso, nem indignação ou alegria
são capazes de me fazer chorar.
Sequei. Esqueci como se faz.
De vez enquanto, á noite, na oração, ainda choramingo.
Reconhecendo minha insignificância, pedindo a misericórdia divina e só.
Um mistério o destino das minhas lágrimas...
Quem souber, favor informar.





quarta-feira, 5 de junho de 2013

Fila

Estou na fila, aguardando minha vez.
Disseram, quando era pequena, que era preciso esperar a vez de cada um.
Não podia "furar" fila, tinha que esperar pacientemente.
Nunca fui mesmo de entrar na frente dos outros sem permissão, nem da impaciência fui amiga.
Esperei, esperei, esperei e espero.
Talvez minha vez ainda venha, apesar da demora.
A vez que eu não precise mais provar que a dívida não é minha, 
que a conta não me pertence, que o gasto não foi meu.
A vez de não me preocupar com minha idoneidade, 
tampouco me ocupar com a desonestidade alheia... 
Ah, se este dia chega!
Vai vir ainda a vez que o encontro dê certo, que haja combinação, cumplicidade, reciprocidade.
Talvez chegue. Por que não?
A vez de comemorar minha vitória, sem ser lesada ou ridicularizada.
Vai chegar o dia da obra ter fim, e enfim, colher os frutos do suor do trabalho, porque ele- o trabalho- está sempre na vez!
A vez de acreditar no que os olhos mostram - porque o coração é sempre desconfiado e confia em ninguém.
A vez de fechar os olhos e saltar sem rede, sem medo da queda, sem susto no tombo.
Ah, mas minha vez chega!
Chega ainda o dia em que o trabalho seja folga, que a folga seja dia-a-dia  e que o dia seja só mar e brisa.
Chega o momento em que a educação e o respeito sejam ar e água: indispensáveis à sobrevivência.
E minha vez vai chegar, porque estou na fila.
Não cheguei atrasada, não roubei o lugar de terceiros, não dormi no ponto, nem esqueci das regras.
A demora cansa, as costas doem e o cansaço ás vezes se faz imenso, que penso nem suportar.
Mas continuo na fila. 
Pois me disseram que quem espera sempre alcança.

Só não me contaram como, onde ou o quê.

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Costumo dizer que não escolhi a pediatria, mas fui escolhida por ela.
E acredito ser verdade mesmo.
Amo cuidar de crianças, gosto de ajudar e receber de volta a espontaneidade como resposta.
Confesso que a medicina tem se mostrado um tanto cruel, principalmente o sistema de saúde do pais, e ando muito derrotista ultimamente.
Cansada de tentar resolver problemas que fogem do meu alcance.
Cansada de ver o caos que se transforma a sociedade e a nova estrutura familiar e ter que achar tudo natural.
Sei que a saúde é negligenciada pela maioria.
Governantes e população encenam um teatro diante um do outro, fingindo prestar atendimento, acreditando em mentiras e aceitando migalhas.
E eu, assistindo a tudo podendo fazer quase nada, além do que já faço.
Chateada com o rumo que as relações pessoais tem seguido: falta de respeito pelo próximo, banalização da vida, e, principalmente, pelo direito do outro.
Às vezes me pergunto: como posso modificar algo se a sucessão de erros é imensa?
E não consigo descobrir.
E então, me questiono de novo: como pude ser escolhida, se não tenho nada a mais para oferecer?
Desgastada, desmotivada, desanimada.
Assim me encontro hoje.
Ainda não encontrei uma forma de me livrar dessa angústia.
Sei que hoje me excedi.
Tomei ideia da proporção depois, mais tarde, quando a indignação já tinha ido embora.
Não me orgulho do que fiz.
Pelo contrário: me envergonho.
Mesmo não dizendo onde, quando ou quem,
mesmo tentando apenas mostrar como o mundo anda sem noção de tudo, admito que agi errado.
Não é pela exposição que farei mudança.
Será pela informação.
Não é pela explosão, mas pela paciência e perseverança.
Talvez o maior aprendizado do dia de hoje seja o meu.
Guardar para mim a raiva, a revolta e transformar em algo de bom.
Agir por impulso não resolve.
A internet deve ser usada como forma de ajuda e não como modelo de condenação.
Se eu não puder ser instrumento de mudança, não vale o esforço diário.
Se eu me contaminar, não serei instrumento de mudança.
Neste momento, querendo serenidade.
Não vou mais reclamar.