domingo, 28 de julho de 2013

Coragem

Hoje eu preciso de coragem.
Quem puder ceder a própria em meu benefício, por favor, o faça!
Quero a coragem de sair da cama, 
de pular pra fora,  sem a preguiça que o domingo dá.
Quero a coragem de mudar de planos, de trocar de metas, de substituir funções.
Coragem de gritar ao mundo um tanto de verdades, 
que eu insisto em calar, para não provocar discórdia.
Quero a coragem de quem enfrenta o frio, sem pudor, sem roupas.
A coragem de quem vai pra cozinha, mesmo sem saber cozinhar.
Coragem de quem esquece propositadamente os compromissos que chateiam.
Coragem de quem esquece as chateações com o propósito de se presentear.
Quero a coragem dos fins e dos começos.
A coragem, principalmente, dos recomeços.
Coragem de fazer os pensamentos alcançar alturas!
De cantar bem alto e espantar tristezas, sem receio de desafinar.
Coragem de chorar em público, de mostrar ao mundo o que eu não posso aceitar.
A coragem que faz ser forte, que dá um norte, que traga sorte para mim.
Coragem de saltar sem redes, sem temer a queda.
Enfrentar as feras, se vestir pra guerra, desmontar as máscaras.
Hoje eu preciso da coragem alheia.
Preciso da coragem que sobra para me emprestar.


A mala

Era uma mala grande. 
Praticamente um baú.
Ficava guardada no porão, mantida lacrada, fechada.
Lá dentro havia lembranças, recordações, antiguidades.
Fora esquecida lá durante muito tempo.
Não se lembrava mais o que de importante havia nela.
Até que um certo dia, numa limpeza local,
alguém removeu o lacre.
Arrastada, e aberta, a mala foi devastada.
O pó foi retirado, as teias de aranhas removidas, o cheiro de umidade secou.
De dentro saíram perfumes.
Odores de uma época que não voltariam mais.
Saiu também um grito acompanhando de um choro baixinho.
Saíram aromas de flores,  imagens de gente querida,
pessoas deixadas pela vida, que o  tempo largou pra trás, 
que foram levadas pra longe, pra nunca mais.
Saíram ainda vaga lumes, pequenas borboletas coloridas, 
barulhos de gargalhadas, de conversas animadas na cozinha.
Sons de crianças brincando, de segredos bem pertinho do ouvido, 
um abraço apertado, um beijo demorado, um carinho na face, flashes de imagens,
uma música leve, suave, ao fundo, embalando a descoberta da mala esquecida.
Depois disso, a mala então ficou vazia.
Como vazio ficou o peito do dono da mala.
As lembranças se espalharam pelo porão,
fugiram pelas frestas da casa,
e delas, nunca mais se ouviu falar.
Guardo comigo ainda lembranças queridas.
Permaneço com elas ao lado, bem perto,
escondidas, porém á mostra.
Não quero perdê-las de vista.
Não quero guardá-las na mala.
Não quero se percam no porão, nem que se espalhem pelo vento
ou que vão embora para sempre.
Mesmo que pra isso eu chore, cada vez que visite minhas memórias,
cada vez que releia textos, cartas e mensagens.
Mesmo que pareça apego ao passado.
Mesmo que pareça tristeza a minha nostalgia
ou que embote um pouquinho meu dia, 
nublando de leve minha alegria.
Quero uma caixinha cheia,
na cabeceira da cama.
Que eu possa respirar de vez em quando, 
sem compromisso, mas com o peito cheio de boas recordações.
Mesmo que traga de volta sentimentos já esquecidos, embrulhados há tempos... 
Como hoje.



quinta-feira, 25 de julho de 2013

Tudo certo?

Fazer tudo certo não é uma virtude.
Acho que, além de ser defeito, vem a ser também castigo.
Passar a vida cumprindo regras, normas, horários, ordens e pedidos
transforma os cumpridores em escravos.
Escravos dos outros e de si mesmo.
Espera-se sempre uma postura exemplar, uma frase de efeito, 
uma atitude ponderada, uma fala certa, uma resposta agradável, 
um roteiro programado e calculado e, invariavelmente, 
tudo regado a bons modos e educação impecável.
Quem faz tudo certo, perde a chance de aprender com o erro, 
de mudar de lado, de provar o bom e o ruim e depois, 
decidir calmamente, após a experiência consumada, se faz ou não sentido a própria escolha.
Quem faz tudo certo vive algemado.
Preso a padrões e à conjecturas.
Preso a si mesmo: uma mão presa á outra, sempre, sem poder um aceno sequer dar.
Quem faz tudo certo, quando erra uma única vez, leva açoite.
Carrega a culpa do mundo, tem o nome maculado, a reputação pichada, 
o rosto ferido e a alma jogada na lama.
Quem faz tudo certo vive amedrontado com a sombra do erro.
Porque sabe que um simples deslize pode ser fatal!
Quem quer fazer tudo certo, faz mesmo, é tudo errado!
Vai viver acuado, se castigando perpetuamente por não conseguir fazer diferente,
como o resto do mundo faz, assim, sem culpa, sem ressentimento.
Vai viver dando desculpa, porque nunca vai se confrontar com o erro.
Vai, com a cabeça no travesseiro, choramingar a falha, reconstruir mentalmente todas a possibilidades de conserto e por fim, sem dormir direito, custar a esquecer.
Quem faz tudo certo tem uma mordaça na boca: tem o grito calado, a voz abafada, um remorso gigante, uma culpa perene, um esforço de fuga para o lado contrário, sem conseguir sair do lugar.
Quem faz tudo certo carrega o próprio chicote.
Se tiver um pouco de sorte, se autoflagela sem se machucar.






terça-feira, 23 de julho de 2013

Pior defeito

Pior defeito?
Na minha opinião, o preconceito.
Não há explicação que justifique
o julgamento inoportuno.
Não há definição que convença.
Nem inteligência que resista.
Por mim, cai por terra
qualquer chance de contestação.
Alguém, acaso, pode ser medido
pela cor da pele que tem?
Ou se pode definir o bem ou o mal
pela escolha sexual?
Se a pobreza define índole,
se riqueza escolhe caráter,
perde-se por completo
a ideia de humano de alguém.
Se a diferença de raça afasta,
se o tamanho provoca arestas,
perdoe-me, mas não presta
este tipo de avaliação.
Se o viciado não tem conserto,
se o presidiário não tem recuperação,
é melhor desistir então,
de vez, da humanidade inteira.
Cheia de gente diversa,
caras e cores, 
tamanhos e ares,
pesos e planos tão variantes.
Pra mim, o pior defeito, é gente ignorante...
Que não compreende que a graça está na diversidade,
que não interessa posição social ou idade...
São apenas pequenos detalhes.
Não importa se não vê; o importante é o que se sente.
Não precisa andar, se as palavras atravessam distâncias.
Não precisa falar quando os gestos denunciam e falam por sí só.
Há lugar para o grande e o pequeno, neste mundo, espaço vasto.
A essência vai muito além da aparência.
E o valor, muito além do espelho.
Triste é saber que esse mal ainda existe.



sábado, 20 de julho de 2013

Se eu pudesse...

Se eu pudesse, apagaria.
Borracha gigante na memória.
Lembranças bobas,
pessoas desimportantes,
aqueles pequenos instantes
que não se quer mais lembrar.

Se eu pudesse, apagaria.
Aquele convite,
aquele chilique,
a resposta atravessada,
a pergunta mal elaborada,
a pessoa mal amada
que cruzou o meu caminho.

Se eu pudesse, retiraria
do acervo de lembranças,
os medos de criança,
a rejeição da adolescência,
todos os credos e crenças
que hoje eu sei,
não valem mais.

Se eu pudesse, apagaria
a mágoa, a lágrima,
a vaia, o choro,
o grito, os loucos,
os vários momentos,
que ainda não entendo.
Os motivos que não compreendo,
e que quero nunca compreender.

Se eu pudesse, apagaria.
A casa, o nome, o rosto.
A ideia, a roupa, o posto.
A capa, a língua, o corpo.
Hoje, se eu pudesse,
mudava de mundo também...

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Favores

Cansada de quebrar galhos, 
troncos e árvores inteiras.
Cansada de tantos favores.
Cansada de servir pro serviço.
Cansada de nunca ter nada em troca.
Cansada do trabalho braçal,
dos problemas dos outros,
do trabalho dos outros, 
dos programas dos outros.
Cansada.
Hoje eu pedi arrebatamento.
No meu lugar vai ficar apenas um buraco,
 um espaço em branco,
uma lacuna pequena,
uma janela,
e talvez, saudade, 
de quem só fazia favores.


domingo, 14 de julho de 2013

Cada um com seu cada um.

Vejo graça como as pessoas, de uma forma geral, se preocupam com os médicos.
Acredito que seja uma atenção desproporcional á classe.
Nem merecemos tanto!
Preocupam-se com o quanto que ganham os médicos, se merecem ou não o valor que recebem, se tem carro do ano, se viajam para o exterior, se moram em prédios chiques, se têm casa própria, enfim.
Crucificam aqueles que recusam ir ás estâncias mais longínquas para atender, que recusam os "altos salários" oferecidos para trabalhar em locais onde ninguém quer trabalhar, chamam de mercenários, de "playboys e patricinhas".
Especulações das mais descabidas.
As reivindicações da classe são legítimas: por melhores condições de trabalho, por uma remuneração condizente com a importância e a extensão do que realizam, por respeito.
Cada um que lute pelo sua própria causa.
Cada um que lute pela sua classe.
É um direito que cada um tem.
Achincalhar a luta alheia é perversidade.
Só quem vive a medicina do SUS do país e sente na pele (e na alma) os efeitos que ela produz , pode levantar a voz para bradar algo a respeito.
Quem nunca abriu um livro de medicina, nunca passou horas estudando, perdeu noites por isso, nunca ficou 12, 24, 36 ou 48 horas trabalhando, com períodos mínimos de descanso- me perdoem- não tem direito a falar.
Opiniões só contam com embasamento, com experiência. "Achismos" não tem valor.
Se os altos salários fossem realidade, as pessoas estariam se estapeando para ir ao encontro da proposta imperdível.
Se as condições de trabalho fossem boas, as pessoas jamais pediriam demissões de seus empregos e seria fácil encontrar substitutos para aqueles que partiram.
É tão simples compreender, que fica pedante seguir explicando. É óbvio e ululante.
Acontece que, além do trabalho extenuante - porque a população a ser atendida excede (muito) em número a totalidade de vagas que o sistema oferece- ainda há a incapacidade de resolução dos problemas que aparecem. Não por falta de médicos, mas por falta de leitos, de medicações, de laboratórios, de exames, de lençóis, de sabão para lavar as mãos e papel toalha para secá-las.
Fica difícil aceitar a morte de alguém toda semana, todo dia, por não ter estrutura para manter a vida, mesmo que o salário seja gordo.
Fica difícil aceitar um emprego e ser assaltado na porta de entrada, receber ameaças dos usuários que comandam as "bocas" e determinam quem sai e quem entra no bairro.
Fica difícil trabalhar quando o salário atrasa e se torna necessário mais 2 ou 3 empregos para pagar as contas de casa.
Medicina é dom, arte, ciência, mas não é sacerdócio.
E sacerdotes (padres e pastores) também têm salário, para quem não sabe.
Faz-se sim, por gosto e por amor, mas apenas gosto e amor não pagam as dívidas, tampouco põe comida na mesa.
Outros tantos profissionais também sofrem as consequências da miséria deste país: policiais que escondem a farda para preservar a própria vida e a família, que aceitam "bicos" como segurança, porque o salário é insuficiente para manter os custos; professores que são destratados com um pagamento de fome, acumulam vínculos empregatícios para pagar as contas e ficam cara a cara com a pobreza, a falta de respeito e um sistema de educação falho e mal organizado.
Cada um tem o direito (e o dever) de lutar pela própria causa.
Buscar melhorias para si e para a classe a qual pertence.
Já comprei remédio para paciente que não tinha dinheiro para se tratar, já internei porque não tinha comida em casa, atendi mesmo sabendo que não havia lugar para o paciente permanecer, troquei medicamento porque o desejável estava em falta, fiz gambiarra em respirador para que funcionasse e rezei, rezei muito para que Deus tivesse misericórdia de todos nós.
É um país gigante, com uma distribuição de renda injusta, uma desigualdade social gritante e políticos corruptos que se beneficiam da pobreza da população.
A classe médica é apenas mais uma a ser pisada e quer, de alguma forma, fazer valer o direito que tem (ou quer ter).
A crítica gratuita é desnecessária. Seja por  inveja ou recalque, também não sei, não importa.
As faculdades estão aí: públicas, particulares, de portas abertas a quem quiser entrar na medicina.
E diga-se de passagem , a trabalhar para o governo de forma obrigatória por 2 anos.
Qualquer um pode. É só querer. Desistir sem  tentar é no mínimo covardia.
Depois, de passar por tudo, de experienciar cada situação, cada dia, mês e ano, pode sim falar  à vontade, com embasamento e verdade.
Por enquanto, cada um tomando conta da sua própria ocupação, já é suficiente.






sexta-feira, 12 de julho de 2013

Esconderijo

Hoje estou me escondendo.
Não quero amizades fortuitas,
programas inusitados,
gente de personalidades múltiplas,
situações descontroladas,
misancene social.

 Hoje estou me escondendo
da falta de espaço que eu criei.
Na minha casa, na minha vida.
Escondida das discussões,
das brigas, dos confrontos.
Quero sossego!
Não quero ter opinião formada,
não quero defender ponto de vista,
não quero ouvir a outra parte,
a outra da versão da história.

Hoje eu quero o esconderijo,
quero a anulação,
o esquecimento.                                                            
Quero me entreter de nada,
encher a cabeça de vazio,
esquecer quanto tudo anda esquisito
e como não sei lidar com estranhezas.                

Hoje eu quero a leveza de não ter que enfrentar.
Nada e ninguém.
Não ter que olhar nos olhos,                                                
nem preparar respostas,
não escolher a roupa, a bolsa, o sapato, nada.
No meu esconderijo preciso só disso: de nada.

Hoje estou me escondendo,
porque não quero perguntas,
não quero fazer escolhas.
Quero o sono, sem sonhos,
escuro e denso.
Quero matar o cansaço
com um golpe de cobertor.
E só.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Missiva cardíaca



Oi, coração!
Depois de tanto tempo, mando notícias.
Sei que ando displicente, na verdade, um pouco ausente,
não tendo tempo para lhe escutar.
Resolvi me afastar porque descobri que não combinamos.
Estamos em diferentes planos, razão e emoção assim, juntas, não vai funcionar.
Escutei seus apelos, uns barulhos estranhos,
uma batidas nervosas, deixei você se acalmar.
Acho que não pensa direito e que aí, dentro do peito, só consegue esbravejar.
Como a parte lógica me cabe, resolvi tomar o controle.
Acredito que assumindo as funções, tudo adiante melhore.
Não reclame da falta de sensibilidade.
Pensa na parte que lhe cabe: manter a vida seguindo.
Agora sou eu quem faz as regras, 
quem define quem sai e quem entra, 
quem precisa de maior ou menor atenção.
Tentamos dividir as tarefas, mas egoísta, você protesta
e ocupa um espaço maior que deveria ter.
Define tudo sem critério, leva tudo muito a sério,
se machuca com frequência e tenho que ter paciência,
colar todos os cacos, amarrar os seus pedaços,
para, de novo, tudo funcionar.
Cansado de consolar suas mágoas e recolher sua lágrimas.
Sou eu agora quem vai mandar.
Acho melhor mantermos contato restrito,
cartas e mensagens de quando em vez.
Nada de conversas diárias, não quero virar freguês.
Quero continuar dando as ordens
e que você cordialmente obedeça.
Cresça diante dos fatos, aprenda com as consequências de seus atos
e mantenha seu serviço vital.
Não quero mesmo seu mal.
Quero apenas um pouco mais de sossego.
No fundo, eu, cérebro, sinto medo,
dos estragos que você pode causar.
Continuamos, então,  amigos, não como antes.
Tentarei levar adiante projetos de um futuro em paz.
Mando um abraço, não muito apertado.
Não quero que fique emocionado com despedidas,
como sempre faz.
Desejo saúde e sucesso, aviso que fico por perto,
pois sei que pode ainda precisar.

Eu penso assim:
quando a situação fica complicada,
quando nada mais tem jeito,
quando o fim parece se aproximar
e já usei todos os artifícios possíveis para solucionar os gigantescos problemas,
mas mesmo assim tudo foi em vão,
começo a crer que existe um propósito maior (e melhor) para mim reservado por Ele.
Se não for assim, desmorono, desfaleço, esmoreço, desabo.
Como nos últimos dias.
O que estava sendo construído, foi eliminado de forma sórdida;
o que ainda está em construção tem prazo infinito de término;
gente que decepciona, que some, que vai embora;
gente que não é gente, que é minhoca, larva, mas tenho que fingir que é gente e manter uma convivência, no mínimo, educada e sociável;
Mudanças que me assustam, que tiram o tapete sob pés e o sono da cachola...
Dívidas, dúvidas, prerrogativas e interrogações,
planos e frustrações, falta de expectativas e esperança nula.
O que está ruim, piora;
O que está pior, fica mais ridículo ainda...
Nesse momento só contando mesmo com a fé.
Que me leva a crer que deve ser mesmo outra rota, outro caminho o meu.
O cheio de erros, percalços e armadilhas não é meu caminho. É atalho.
Precisando, no momento, de encontrar o itinerário certo.
Usar uma borracha gigante para apagar o falso trajeto e encontrar uma lâmpada para iluminar a escuridão do tempo de agora.
Porque a fé é ainda o único meio que justifica  manter-se de pé, cabeça erguida, olhos abertos e ouvidos atentos.
Porque fé e razão não andam juntas e a primeira vai sempre mais adiante que a última.